Por Vinicius Santi
Reatividade passiva x Reatividade Ativa
Já parou para pensar o porque reagimos sempre do mesmo modo às situações, sejam elas agradáveis ou desagradáveis? Você sente que a forma de escoar nossas frustrações e alegrias parecem sempre seguir o mesmo fluxo de direção?
A experiência humana nesta sociedade nos torna altamente reativos. Isto favorece o acúmulo de ressentimento em nossas vidas, o que produz a introjeção de uma culpa por gesticularmos, falarmos e pensarmos dessa forma. Devido à esta reatividade crescente isso nos impede de ver claramente as coisas e nos faz gerenciar nossas alegrias e tristezas sempre do mesmo modo.
Sou praticante de Yoga e estudante de filosofia, e certas práticas filosóficas orientais e ocidentais têm como base livrar-se da reatividade e consequentemente do ressentimento e da culpa.
O que se segue são ideias e conceitos filosóficos ocidentais, mas que em meu imaginário vivido me ajudam a entender os caminhos daqueles que praticam Yoga nesta sociedade reativa passiva e os caminhos possíveis que podemos percorrer em direção a uma reatividade ativa. Espero que esses pensamentos sejam de alguma ajuda como têm sido para mim.
Reatividade Passiva
Sentimos o mundo à partir do corpo e interpretamos o que sentimos através de um aparato interno, que é a herança de um passado baseado nas relações familiares nascidas dentro de um contexto histórico, político, econômico, social, moral. Ou seja, somos criados de modo tal que esta criação condiciona como vamos interpretar certas situações que vivemos. Com base nas interpretações de nossas sensações, nós então reagimos.
Logo poderíamos dizer que reagimos de forma passiva. Isso significa que somos determinados a agir desta ou daquela maneira segundo um condicionamento. Como quando era criança e estava entediado ou ficava triste e rapidamente me punham diante do vídeo game ou me enchiam de biscoitos e salgadinhos e aos poucos isso moldou minha forma de lidar com as emoções mais difíceis. Entreter a mente, mastigar nervosamente algo para esquivar-se continuamente de si mesmo e da experiência humana, que engendra um certo desconforto e sofrimento. Seria então estes condicionamentos um “algo em nós” uma introjeção, um pré-posto a nos conduzir por um caminho de cartas marcadas. É o sujeito emocional que somos. Assim, sentimos de forma parcial porque nos ensinaram a nos esquivarmos de angústias e frustrações e nunca a aprofundar a relação com nossas inquietações. Tão logo algo nos incomoda (sensório) temos que reagir (motor) rapidamente. Precisamos colocar pra fora o incômodo sem pensar, pois custaria muito para nossos nervos nos deter por um instante antes de agir, estamos muito mal preparados.
A eficácia de tal maquinaria reativa se dá por um aparato definido pelo filósofo matemático Henri Bergson (1859 a 1941) como sensório/motor, e ele teria implicações positivas também, sendo fundamental para a sobrevivência humana. É o que nos favorece o aprendizado e a retenção das experiências vividas, como por exemplo andar de bicicleta. Isto também nos faz saltar em direção a nossos filhos antes que estes batam a cabeça. E nos faz saltar para a calçada diante de um motorista desgovernado. Então este aparato nos ensina a sentir uma experiência e a reagir de forma condicionada a ela. O problema é que este não cria, não contempla, não almeja outros horizontes, ele apenas reproduz e conserva este tipo de vida reativa. E a vida sempre almeja mais do que conservar-se, ela também aspira a criação.
Esta reatividade não observada é a base daquilo que somos, isso pelo qual seremos reconhecidos e lembrados. Seremos reconhecidos pela forma como atuamos. Enquanto o indivíduo não fizer um esforço para reter sua resposta diante do estímulo recebido, ele estará sempre condicionado a agir da mesma maneira. E isso é causa de muito sofrimento.
Sem pausas, sem paradas, sem contemplação não apreendemos o durar, nem mesmo apreendemos o tempo, a experiência humana não é sentida de forma integral, não conseguimos almejar um novo ponto de vista sobre aquilo que nos toca.
Reatividade Ativa
Mas haveria um horizonte luminoso presente no próprio aparato sensório/motor. É o “meio”, o intervalo entre o sentir e o reagir. O filósofo matemático Henri Bergson o chamou de “zona de indeterminação”, e não só isso, ele afirmava que antes de tudo somos seres da indeterminação, capazes de reter o acontecimento em nós antes de darmos uma resposta motora. E é neste espaço que poderíamos exercer uma ação sobre nossa reatividade. Isso seria, superar a humanidade em nós, exatamente o que o Yoga nos propõe, através de suas práticas rituais diárias e seu código moral. A meditação nos ensina a suspensão do sensório/motor, o parar momentaneamente a resposta às demandas do mundo para aprender a estar com o ser emocional que somos, entender esse ser reativo, onde estamos mais fracos e onde estamos mais fortes, e a elaborar estratégias para organizar nossas vidas de tal modo que possamos diminuir os encontros que ativam gatilhos de reatividade passiva e a aumentar os encontros que favoreçam nossa potência de agir. A meditação ensina um novo caminho para os impulsos que percorrem o sistema nervoso.
O que se almeja é habitar este intervalo entre o estímulo recebido e a resposta efetuada, dando espaço e tempo para que nossa interioridade apreenda e processe os acontecimentos, aumentando assim a capacidade de assimilação nervosa da vida, do corpo, do mundo em nós. Assimilação nervosa sim, pois é nos nervos que sentiremos essa dilatação da resposta ao fora. E não estamos acostumados a isso, pois sempre nos ensinaram a ausência de nós mesmos. É preciso um “atletismo afetivo”, construir um corpo dentro do corpo. E fazer isso para que? Bem! À partir das forças do fora que nos arrebatam superar as forças do dentro que nos determinam a reagir de forma passiva, e deixar que a vida nos invada e cumpra o papel de talvez produzir uma nova interioridade. Uma nova interiorização do fora para uma nova resposta ao mundo. Um olhar menos reduzido e parcial sobre a realidade. Permitir-se ser afetado, para então ser capaz de afetar o mundo. Uma das máximas do pensamento filosófico de Baruch de Spinoza (1632 a 1677).
Esperar, reter, acomodar. Não mais interpretar, posicionar-se, justificar-se, responder, opinar. Após essa assimilação nervosa ocorreria um processo de decantação que devolveria a transparência para mente e a leveza para o sistema fisiológico. Uma mente mais panorâmica capaz de olhar distâncias, um corpo leve de dançarino.
In Process
Tal experimentação exigirá que encaremos algumas das angústias e incômodos que vivemos como um processo gestatório de uma nova vida ao qual não deveríamos abortar. O aborto aqui refere-se ao apaziguamento ou anestesia destes processos, a sua desintensificação para aliviar a dor e fazer as coisas voltarem à normalidade, normalidade esta que provavelmente produziu as mesmas angustias. Aqui não haveria soluções fáceis, nem narcóticos ou sedativos, mas o reconhecimento de que estas fatalidades que nos acometem nos fazem “ganhar corpo”, nos fazem mais fortes, e de alguma forma mostram a necessidade de sua existência na medida em que ao “não nos matar, nos fortalecem”.
Nos caberia claro, elaborar estratégias e protocolos de experimentação diários para manter o sistema psicofisiológico apto para suportar os efeitos do mundo em nós. Isso requer um tipo de alimentação, uma qualidade de sono, um fator climático, uma moradia adequada, relações potentes, lazer, práticas filosóficas, exercícios físicos, etc… nasceria daí uma moral própria, ou uma ética de vida. Uma estilização da existência.
Para a maioria de nós construir uma ética própria é muito difícil e aqui entra o Yoga e o seu sistema. Ele nos apresenta desde um código de conduta comportamental moral, bem como técnicas para uma higiene psicofisiológicas que ajudam a reduzir nossa reatividade drasticamente. Para quem não sabe exatamente o que fazer, este sistema proposto pelo Yoga pode ajudar muito.
Aspirando uma outra humanidade
Quando este processo é levado ao seu próprio limite, após longa dilatação e “cozimento” é que teremos um modo mais adequado de responder ao mundo. Teríamos finalmente uma “reação ativa”, pois nos permitimos “o agir das forças do mundo em nós”, nos permitimos ser tocados pelo mundo, esquivando-nos do ressentimento que acompanha o modo de reagir passivo. Toda resposta que venha deste processo de dilatação desta zona de indeterminação será sempre infinitamente mais adequada e virá carregada de um frescor que aspira a uma humanidade mais alegre e potente. E é certo que a resposta virá, clara e firme, pois foi forjada no fogo do desejo por uma vida ética.
A tarefa é difícil, talvez porque desaprendemos o difícil em quase tudo. Desaprendemos o “durar” nas experiências, um durar com qualidade, capaz de enxergar este horizonte alegre de quem está apreendendo no próprio corpo os afetos do mundo e o significado de estar vivo. E aqui abraço a poesia de Rainer Maria Rilke, “A dificuldade é a medida pela qual conhecemos nossas forças”, que para mim é uma visão poética que define um dos aspecto da suspensão da resposta ao sensório/motor. Na duração nos tornamos fortes e livres.
E eis a beleza deste pensamento, é que a nossa capacidade de retardar a resposta ao estímulo recebido é o que definiria o quão livre somos. O que definiria a liberdade humana.
Encerro com esta síntese Bergsoniana:
“Escutar mais e falar menos. Pensar mais e opinar menos. Sentir mais e reagir menos.”