SATWA, RAJAS E TAMAS

SATWA, RAJAS E TAMAS

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Por Luciana Kimi

O QUE É SATWA, RAJAS E TAMAS

Sattva, Rajas e Tamas são conhecidos como Maha Gunas, ou as três grandes qualidades. 

De acordo com a filosofia Sānkhya, eles são derivados da pulsação do Prana Cósmico e participaram da criação do Universo (Big Bang), permeando todas as formas de vida. Por conta da formação do Ego (Ahamkara) como ponto de referência, Sattva, Rajas e Tamas são percebidos de formas distintas e separadas.

Disto isso, Satwa é a pura essência da luz, a ação correta e o propósito espiritual. Rajas é o princípio do movimento, mudança e excitabilidade. E Tamas é a inércia, a escuridão e a confusão.

Pela perspectiva do Ayurveda, o homem é o microcosmo do próprio mundo em que habita. Isso implica explicitamente que, seja do que for que o homem seja composto, o mundo também é feito dessas mesmas coisas ou elementos, mas em diferentes combinações e graus. Sendo assim, essas três qualidades estão presentes no corpo e na mente humana.

De forma comparativa, podemos entender que, no universo, Sattva é o infinito, e podemos compreendê-lo como o espaço sideral; Rajas é a atmosfera e Tamas, a substância sólida. 

No nível individual, Sattva é a percepção, ou seja, o conhecedor; Rajas é o movimento da percepção, que se torna o processo da atenção. E Tamas é a precipitação da percepção, ou melhor, a experiência, ou o conhecido. Sem Tamas não há experiência.

Podemos evoluir esse raciocínio e entender que Sattva é a luz da Consciência Pura, ou também a energia potencial; Rajas é a energia cinética e Tamas, a inércia. Sattva é o observador, Rajas é a observação e Tamas, o objeto a ser observado. Sattva é o criador, Rajas, o mantenedor e Tamas, o destruidor. Associando-se com a Trimurti no Hinduísmo, Sattva é Brahma, Rajas é Vishnu e Tamas, Maheshwara.

PERCEBENDO SATTVA, RAJAS E TAMAS

Sattva é igualmente descrito pela palavra em Sânscrito Jñānaśakti, o que significa energia da cognição, o motivo da percepção. Jñāna significa percepção, conhecimento, cognição e inteligência. 

Rajas é descrito como Kryāśakti, a energia da observação. Kriya significa ação, criatividade. 

E Tamas é descrito como Dravyaśakti, ou seja, a matéria, o observado.

Se observarmos o nosso dia, podemos perceber a interação dos três gunas da seguinte forma: 

  1. Acordamos na parte da manhã por causa da energia de Sattva
  2. Por conta de Rajas, somos capazes de planejar e realizar atividades durante todo o dia. 
  3. Ao entardecer, após o jantar, percebemos a energia Tamas, pois nos sentimos pesados e lentos. E também por causa de Tamas sentimos sono, nos tornando completamente inativos, mergulhados na escuridão.

Além do corpo humano, podemos observar os três Maha Gunas presentes, em vários graus, em todos os objetos da criação. Alguns deles surgem primariamente de Sattva, enquanto outros surgem primariamente de tamas.

Ou seja, Sattva e Tamas são energias inativas que requerem a ação e a força cinética de Rajas para que algo aconteça. Deste modo, quando Rajas se move em direção a Sattva, o universo orgânico é criado (os cinco Jñānendriyas – caminho sensório e os cinco karmendriyas – caminho motor). Quando Rajas se move em direção a Tamas, o universo inorgânico é formado (os cinco Tanmātras – objetos sensórios da percepção e os cinco elementos – éter, ar, água, fogo e terra). 

Ademais, podemos considerar os Tanmātras como as qualidades dos elementos: 

  • Som (shabda) é o guna do elemento Éter.
  • Toque (sparsha) é o guna do elemento Ar.
  • Forma (rupa) é o guna do elemento Fogo.
  • Sabor (rasa) é o guna do elemento Água.
  • Cheiro (gandha) é o guna do elemento Terra.

Mesmo que os cinco elementos sejam provenientes de Tamas, todos os Tanmātras contém os três Maha Gunas, ou seja:

  • Terra é Tamas.
  • Água é Tamas e Sattva.
  • Fogo é Rajas e Sattva.
  • Ar é Rajas e Sattva.
  • Éter é Sattva.

Os elementos se envolvem sucessivamente, incluindo seu próprio Tanmātra e cada um dos Tanmātras anteriores, por isso o elemento:

  • Éter é apenas o som (Shabda).
  • Ar é a composição do som (Shabda) e do toque (Sparsha).
  • Fogo é a composição do som (Shabda), do toque (Sparsha) e da forma (Rupa).
  • Água é a composição do som (Shabda), do toque (Sparsha), da forma (Rupa) e do Sabor (Rasa).
  • E por fim, Terra é a composição do som (Shabda), do toque (Sparsha), da forma (Rupa), do Sabor (Rasa) e do cheiro (Gandha).

COMPOSIÇÃO DO CORPO E DA MENTE

Do ponto de vista do Ayurveda, qualquer objeto manifestado na criação, é composto pelos 5 elementos (Éter, Ar, Fogo, Água e Terra) em graus variados, específicos de cada forma, matéria e espécie. Seguindo uma proporção que não pode ser mudada (Prakrit), esses cinco elementos se combinam para formar as três formas de energia, ou melhor, Vata (éter e ar), Pitta (fogo e água) e Kapha (água e terra) – respectivamente, a força catabólica, metabólica e anabólica presentes em todos os corpos.

Considerando a exposição anterior sobre o arranjo e distribuição dos Maha Gunas, Vata que é composto pelos elementos ar e éter, com predominância do elemento ar, forma uma composição mais rajásica. Pitta, sendo água e fogo, tem uma composição sattvica e rajásica. E Kapha, constituído por água e terra, com predominância do elemento água, gera uma composição mais tamásica.

Para o Ayurveda, os três doshas são considerados princípios universais que funcionam em todos os aspectos da criação material, incluindo os reinos mineral, vegetal e animal, a hora do dia, as estações do ano, até mesmo os planetas e galáxias. Desta forma, a fisiologia humana está inexoravelmente ligada a toda a existência.

As três qualidades cósmicas também estão presentes na mente, porém Rajas e Tamas são considerados Manasika Doshas, melhor dizendo, contaminantes da mente. Em estado de desequilíbrio, eles a viciam e a danificam, assim como os três doshas do corpo (Vata, Pitta e Kapha) que quando estão em desarmonia, transbordam de suas sedes e modificam o corpo, criando uma versão adulterada em relação a sua origem (Vikrit) adaptada ao ambiente onde vive ou adoecida.

RELAÇÃO MENTE E CORPO

Quando Rajas e Tamas (doshas mentais) estão desequilibrados, causam distúrbios como possessividade excessiva, luxúria, raiva, ganância, ciúme, egoísmo, embriaguez, tristeza, preocupação, medo, êxtase, etc.

Da mesma forma, Vata, Pitta e Kapha (doshas corporais), quando estão desequilibrados, causam doenças como diarréia, febre, esgotamento de tecidos, tese, tuberculose, dispnéia, diabetes, distúrbios urinários, doenças de pele, etc.

Essas doenças, quando existem por longa duração e se tornam crônicas e ficam associadas entre si, ou seja, distúrbios mentais ficam associados a distúrbios físicos ou distúrbios físicos ficam associados a distúrbios mentais. Isso implica dizer que distúrbios físicos podem causar distúrbios mentais e vice-versa ao longo do tempo. Isso acontece devido à aflição de Rajas e Tamas por Vata, Pitta e Kapha e vice-versa.

PATOLOGIA – MANASIKA DOSHAS

SATTVA

Sattva não é um dosha mental. A qualidade de Sattva reflete o conhecimento. Tudo o que é conhecido e aprendido depende deste guna, isto é, aquele que permite a adquisição do conhecimento verdadeiro de todos os objetos e assuntos. Essa qualidade não é perturbada, mas pode ser mascarada por qualidades crescentes de Rajas ou Tamas

Quando a qualidade Sattva é mascarada pelos doshas da mente (Rajas e Tamas), a pessoa se torna ou parece ignorante.

RAJAS

A qualidade Rajas representa todos os movimentos e atividades que ocorrem no corpo. Ela deve estar em equilíbrio, pois em excesso, provoca hiperatividade mental, pensamentos ultrajantes e emoções pontiagudas, como raiva, ansiedade e agressividade.

Quando a mente fica inquieta, ela continua funcionando mesmo durante o sono, como um anúncio que rola continuamente no fundo da televisão. Em condições extremas, a pessoa pode ficar indecisa ou tomar decisões errôneas que não serão benéficas para si mesma ou para os outros na comunidade. Pensamentos destrutivos podem se tornar dominantes, levando a pessoa a cometer crimes e ofensas.

Sendo assim, o excesso deste guna provoca:

  • Indulgência excessiva em atividades físicas e mentais.
  • Expressão de desejos, ódio, tristeza, felicidade, ganância, egoísmo, teimosia, raiva, orgulho, ciúme, ansiedade, perda do poder de discriminação e flutuação da mente.

Quando essas qualidades são expressas em excesso, elas prejudicam a mente. E com o tempo, os doshas corporais (Vata, Pitta e Kapha), também serão envolvidos e perturbados, o que levará à manifestação de doenças físicas.

TAMAS

A qualidade Tamas equilibra e controla as qualidades de Rajas a partir de sua superexpressão. É considerado antagônico às funções de Rajo guna. Se Rajas está relacionado com a atividade, Tamas representa a lentidão. Se Rajas é responsável pela agressividade, Tamas está conectado com a calma. Se Rajas causa hiperatividade, Tamas causa funções deficitárias.

Porém, se Tamas se elevar em demasia, irá mascarar a expressão de Rajas. Assim, as atividades ficarão mais lentas, sobrepondo também a inteligência e a sabedoria causadas pela qualidade de Satwa. A pessoa perderá o poder de raciocínio e se comportará como um estúpido; e a coordenação entre pensamentos e ações será interrompida.

A função deste guna é:

  • Nutrir, acalmar e unificar.
  • Controlar e induzir liquidez e untuosidade no corpo.

Porém sua superexpressão causa ignorância, preguiça, sono, estupor, idiotice e depressão.

FATORES QUE IMPACTAM NA SAÚDE MENTAL E NO COMPORTAMENTO HUMANO

Fatores que influenciam Sattva, Rajas e Tamas na mente e no corpo:

  • Mentais: Coisas que ouvimos, pensamos, vemos, tocamos e priorizamos.
  • Físicos: Coisas que fazemos, conversamos, lemos, pessoas com quem nos relacionamos.
  • Alimentares: A forma como comemos contribui para variação de Rajas e Tamas em nossa mente. Além disso, devemos ter cuidado no preparo do alimento, pois se um chef de cozinha, está manipulando o alimento com raiva e irritação, essas mesmas qualidades serão transmitidas à comida que iremos comer.

Portanto, os alimentos devem ser manipulados por uma mente amorosa, ser preparados três horas antes de ser posto a mesa. Devem ser cozidos, servidos frescos e em condições levemente quentes.

Além disso, a escolha do alimento também infuencia no aumento ou não desses três gunas na nossa mente. De acordo com God Sri Krishna, segue abaixo uma lista simplificada.

ALIMENTOS SATTVICOS

São todos os alimentos que aumentam a expectativa e a qualidade de vida. Para nossa sociedade moderna, é importante afirmar que os alimentos sattvicos são ALIMENTOS DE VERDADE, isto é, não embrulhados em plástico, embalados em papelão ou enlatados com conservantes.

Os alimentos sáttvicos são cheios de prana (a força vital), fáceis de digerir e promovem o bem-estar geral e a clareza mental.

Classificação:

  • Sattva Vivardhana – Todos os alimentos que melhoram a qualidade da mente, do cérebro. Alimentos que melhoram a memória, a concentração e outros poderes cerebrais. (Ex.: ghee, Brahmi, Gotu Kola etc)
  • Bala Vivardhana – Alimentos que melhoram a força e imunidade do corpo (Bala).
  • Arogya Vivardhana – Alimentos que melhoram e recuperam a saúde. Desta forma, todos os medicamentos e tratamentos podem ser considerados como Sattvicos.
  • Sukha Vivardhana – Alimentos que depois os ingerimos, nos sentimos confortáveis e felizes (sabor doce presente nas frutas, raízes, certos legumes e grãos).
  • Preeti Vivardhana – Alimentos que aumentam o amor.
  • Rasya – alimentos suculentos e bem preparados.
  • Snigdha – alimentos oleosos e untuosos, isto é, óleos e gorduras (em quantidades limitadas).
  • Sthira – Estável. Alimentos que podem nos fazer sentar em um lugar, pois demoram um pouco mais para serem digeridos (Guru).
  • Hrudya – alimentos que são agradáveis ao coração. (azeite, antioxidantes, vitaminas etc).

ALIMENTOS RAJÁSTICOS

São alimentos que aumentam a qualidade rajástica na mente, ou seja, tendem a ser estimulantes e ácidos. Compostos principalmente de substâncias picantes, salgadas e quentes, os alimentos rajásicos geralmente geram calor no corpo e na mente. Excitam os sentidos e perpetuam paixões.

Por outro lado, há alimentos e ervas que estimulam o agni (o fogo digestivo), tais como: gengibre seco, pimenta preta e pimenta caiena.

Classificação:

  • Katu – Alimentos picantes e temperados.
  • Amla – alimentos de sabor azedo.
  • Lavana – alimentos salgados.

De acordo com o Ayurveda, os três sabores acima aumentam Pitta Dosha, isto é, se ingerido em excesso, eleva a qualidade mental Rajas, podendo gerar raiva, ódio, irritabilidade, falta de paciência, ciúme etc.

  • Ati Ushna – excessivamente quente e picante, pois aumenta Pitta dosha e Rajas.
  • Teekshna – Alimentos fortes e picantes.
  • Rooksha – alimentos secos, que causam secura na boca e no sistema intestinal. A maioria dos junk foods, refrigerantes, etc, causam secura em nossos sistemas.
  • Vidahi –  alimentos que causam sensação de queimação na boca, estômago, cabeça e região do coração.
  • Dukha Shoka Amaya Prada – quaisquer que sejam os alimentos que levam à miséria, tristeza e a doença.

ALIMENTOS TAMÁSICOS

Os alimentos tamásicos tendem a ser pesados, oleosos e densos, como carne, queijo, batatas e massas. Além disso, podemos incluir as conhecidas “comidas de bar”, como: batata frita, salgadinhos fritos e cerveja.

Em alguns casos, as propriedades pesadas e de aterramento de um alimento tamásico podem ser benéfico. Algumas ervas têm essa energia, por exemplo a valeriana, que em determinados casos, podem ajudar a promover o equilíbrio.

Classificação:

  • Gatarasa – Alimentos que perderam o sabor natural original (devido ao tempo, por causa do cozimento excessivo, cozimento insuficiente, temperado com ingredientes impróprios).
  • Pooti – alimentos que têm mau odor.
  • Paryushita – comida decomposta.
  • Ucchishta – Restos de comida comidos por outros.
  • Amedhya – alimentos que diminuem as qualidades do cérebro, inteligência, memória, concentração, paz mental etc.

CONCLUSÃO

Em seu livro “Textbook of Ayurveda”, o Dr. Vasant Lad, nos estimula a aplicar o conhecimento da filosofia Sānkhya no nosso dia a dia e nos relacionamentos que vivemos, momento a momento.

Muitos de nós, quando nos olhamos no espelho, julgamos a nossa face, cabelo, nariz ou a cor da nossa pele. Mas não somos o nosso nariz, face ou corpo, somos moradores do nosso corpo, somos aquilo que observa a morada envelhecer, o sentimento da raiva ou do medo.” 

O aprofundamento neste conhecimento nos conduz a prática diária de respeito a si mesmo e ao meio onde vivemos. Nos estimula a mergulhar no oceano interno e ir além da experimentação sensorial, resultando na  realização da nossa verdadeira natureza. O que somos está além da experiência, além dos desejos, além do gosto e não gosto. O que somos é puro amor e completo de profunda humanidade.

A filosofia Sānkhya mudou a minha vida e estou certo que pode ajudar a mudar a sua, pois a auto aceitação e o auto amor são os primeiros passos para a bem aventurança.” – Dr. Vasant Lad.

Assim, espero que a destilação dessas qualidades universais te ajude a fazer escolhas poderosas e benéficas para a sua existência. Lembre-se que o Ayurveda é a arte da vida. É uma habilidade que deve ser refinada ao longo de seu tempo e melhorará no decorrer dos anos de prática.

REFERÊNCIAS

  • Trigunas, understanding personality from Ayurvedic perspective for psychological assessment: A case – por National Center for Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine.
  • Textbook of Ayurveda, Fundamental Principles vol.1 – por Dr. Vasant Lad.
  • Sattva, Rajas, Tamas – Manasika Doshas – por Dr. Raghuram Y.S.MD (Ay) & Dr. Manasa, B.A.M.S
  • Sattva, Rajas, Tamas – Foods That Increase – Srimad Bhagavat Geeta – por Dr. JV Hebbar.
  • Tattva Bodha – Adi Shankara – Estudo do texto com Osnir Cugenotta.