A importância dos vāyus no processo evolutivo do yogī

A importância dos vāyus no processo evolutivo do yogī

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Por Osnir Cugenotta

Descrita em detalhes em vários śastras do yoga, os pancavāyus – ou cinco vāyus (ou energias internas existentes em todo ser humano), são nitidamente o fruto da percepção interna dos yogīs.

São eles: prāna, apāna, samāna, udāna e Vyāna.

Existem também outros cinco vāyus menores denominados de upavāyus, esses dez vāyus têm como tarefa principal controlar todas as funções do corpo humano e, os cinco primeiros além dessas funções possuem um papel importantíssimo para os yogīs, pois estão diretamente ligados ao despertar da kundalinī e a autorrealização do nosso verdadeiro “EU”.

Por essa razão, ao abrirmos um bom livro de Haṭha Yoga, comumente nos deparamos com algumas orientações, como não realizar āsanas de estômago cheio, evitar o banho logo após a prática, etc.

Os motivos mais profundos destes conselhos dificilmente são explicados e, por não serem totalmente compreendidos, são frequentemente negligenciados ou raramente seguidos pelos praticantes do ocidente!

A verdadeira razão para tais orientações está diretamente relacionada aos cinco vāyus e em especial a: prāna, apāna e samāna vāyus.

Os cinco prānas principais são:

1-Prāna vāyu, que se move da garganta ao diafragma e controla respiração, os batimentos cardíacos, a circulação e a fala;

2-Apāna vāyu, que se move na região abaixo do umbigo e controla a exalação, todos os movimentos de eliminação, menstruação, nascimento, ejaculação, as secreções intestinais e urinárias;

3-Samāna vāyu, que se move entre o coração e o umbigo e controla o sistema digestivo, todo tipo de assimilação, atua na harmonia entre prāna e apāna, e também auxilia o coração e o sistema circulatório;

4-Udāna vāyu, que se move entre a garganta e o topo da cabeça, controlando os órgãos localizados nesta região como olhos, nariz, ouvidos e cérebro. Todos os receptores sensoriais são ativados por este vāyu, que rege o ato de tossir, engasgar, soluçar e engolir;

5-Vyāna vāyu, que se move por todo o corpo levando prāna para todas as células do corpo. Atua sobre a circulação, pensamentos, músculos e juntas. É responsável pelos movimentos, coordenação e a habilidade de manter a postura ereta – fundamental à meditação.

Os upaprānas são:

1-Nāga, que controla o ato de vomitar;
2-Kūrma, que controla o abrir dos olhos;
3- kṛkara, que desperta a fome;
4-Devadatta, que controla o ato de engolir; e.
5-Dhananjaya, que causa a distensão abdominal e o inchaço, principalmente aquele que ocorre após a morte.

O Yogacūḍāmaṇi Upaniṣad declara: “Aquele que possui o conhecimento sobre os vāyus é um yogī no sentido verdadeiro”.

Está escrito no Haṭha Yoga Pradīpikā 2:2: “Enquanto o prāna se move, citta (a força mental) se move, quando o prāna se aquieta, a mente se aquieta”.

Por essa razão em um dos postos-chaves do Bhagavad Gītā, cap. 6:34 Arjuna diz: “Pois a mente ó Kṛṣṇa é inquieta, turbulenta, obstinada e muito forte e, subjugá-la é assim me parece, mais difícil que controlar o vento (vāyu)”.

A maioria das pessoas, quando leem essa passagem, via de regra, a interpreta erroneamente, acreditando que Arjuna está dizendo ser tão impossível controlar a mente como controlar o vento.

Na verdade, ele está nos indicando o quanto é fundamental o conhecimento, o controle e maestria sobre os vāyus, o que por sua vez torna possível o domínio e o controle da mente, das emoções e dos sentidos.

É importante lembrar aqui a observação de Svāmi Niranjanānanda Sarasvatī da Escola Bihar de Yoga, em seu livro Yoga Darśan- Vision of the Yoga Upaniṣad, de que, quando nos referimos aos prānāyāmas, estamos falando do completo controle das funções e inversão dos prānas ou, prāna nigraha e, não dos exercícios respiratórios praticados normalmente.

Somente quando o prāna passa a ser experimentado dentro do contexto sutil dos cakras, é que o verdadeiro prānāyāma realmente tem início.

A palavra “nigraha” significa controle e, neste caso, prāna está associado aos prāna vāyus – mais especificamente aos três vāyus: prāna, apāna e samāna.

Svāmi Niranjanānanda Sarasvatī em seu livro Prāna, Prānāyāma, Prāna Vidyā, explica este conhecimento da seguinte forma:

Dos cinco prānas, os dois mais importantes são prāna e apāna.

Prāna é uma força que se direciona ao interior, de ação ascendente, que se move do umbigo à garganta.

Apāna é uma força que se direciona ao exterior, de ação descendente, movendo-se do umbigo ao ânus.

Tanto prāna como apāna se movem espontaneamente pelo corpo, mas podem ser controladas através de práticas tântricas e do yoga.

Os Śastras dizem que estas práticas são utilizadas para inverter as ações de prāna e apāna que movem em sentidos opostos, objetivando sua união ao samāna no manipura cakra.

Para os Nāthas, tradição que deu origem os Haṭha Yoga a união de prāna e apāna consiste no verdadeiro sentido da palavra “Haṭha”.

Quando essa união ocorre o prāna passa a fluir pelo nāḍī denominado “Suṣumna” e não mais por “idā” e “pingalā”.

Idā nādī é o canal de energia que tem relação com a narina esquerda, o sistema nervoso parassimpático e ao passado.

Pingalā nādī é o canal de energia que tem relação com a narina direita, o sistema nervoso simpático e o futuro.

Svāmi Niranjanānanda Sarasvatī relaciona o controle sobre essas três forças ao comentário feito por Patañjali em seu Yoga Sūtra dizendo: Nos Yoga Sutras, o sábio Patañjali fala dos três tipos de Prāṇāyāma, mas sua descrição é muito simples e breve.

Ele diz que inspiração, retenção e expiração são os três tipos de Prāṇāyāma.

Quando as pessoas leem isso, elas acham que o processo físico de inspiração, retenção e expiração representam os três tipos de Prāṇāyāma mencionados, mas não é bem assim.

Estes três estágios representam na verdade o despertar dos três prānas.

A inspiração corresponde ao controle de prāṇa, a retenção corresponde ao controle de samāna e a expiração corresponde ao controle de apāna.

Portanto, de acordo com este sūtra, o controle dos três prānas é o verdadeiro prāṇāyāma, que é chamado de (prāna nigraha).

Tara Michael em seu livro Le Yoga, no capítulo sobre Hatha Yoga, refere-se a prática do māha bandha (ou seja o uso concomitante de mula bandha, uddiyāna bandha e jālandhara bandha), como uma das técnicas recomendadas para proporcionar a mesma inversão dos vāyus e sua união no manipura cakra. 

Durante a prática dos āsanas e dos prānāyāmas, nós invertemos a direção do movimento normal dos vāyus, ativamos a força de apāna vāyu, que normalmente flui para baixo direcionando-a para cima com a pratica de mula bandha, a inspiração consciente dirige o prāṇā para baixo, e a pausa aciona o samāna vāyu o que abre a boca do Suṣumna nādī, canal central localizado no interior da coluna, por onde deve fluir a energia primordial.

Quando o diafragma é elevado durante a expiração e o abdômen é sugado para dentro e para cima na prática do uddiyāna bandha, prāṇā, apāna que estão unidos pela força de samāna vāyus penetram o suṣumna nādī dirigindo a energia da base da coluna para o sexto cakra sede na nossa consciência levando o praticante a reconhecer sua verdadeira natureza.

Portanto, se comemos ou bebemos algo logo após a prática dos āsanas ou prāṇāyamas, samāna vāyu, que é responsável pelas assimilações, voltará à sua função fisiológica, deixando de auxiliar prāṇā e apāna vāyu a permanecerem unidos e, não poderá assim atuar em prol da autorrealização.

De igual maneira, se devido ao consumo prévio de líquidos, houver a necessidade de esvaziar a bexiga durante ou logo após a prática, apāna novamente voltará a fluir para baixo neutralizando assim os aspectos mais importantes e profundos dos āsanas ou prāṇāyamas.

Portanto, na próxima vez que você se deparar com estes conselhos, não os ignore e, conscientize-se da sua importância, penetrando assim um pouco mais profundamente nos aspectos energéticos e sutis do Yoga, aspectos que conduzem a autorrealização ou, a iluminação da consciência.