Reflexões sobre a prática de Ashtanga Vinyasa Yoga

Reflexões sobre a prática de Ashtanga Vinyasa Yoga

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Por Fernando Sciré

Particularidades da prática, suas relações com conceitos centrais do Yoga e como encaro a prática e seu ensino

Apesar de ter surgido dentro da escola metodológica do Hatha Yoga, fazer uso de diversas técnicas dela e ter a mesma finalidade de qualquer prática de yoga, o Ashtanga Vinyasa Yoga apresenta diversas especificidades em relação aos demais métodos de yoga. Diante do Ashtanga, mesmo os praticantes de Hatha Yoga tradicional e de outras linhas dentro desta tradição podem se deparar com uma prática diferente de qualquer outra que já tenham feito e é comum que surjam perguntas como:

“Por que seguir séries fixas de posturas todos os dias?”; “Por que a prática é tão fluida e o tempo de permanência nas posturas é dinâmico?”; “Por que manter os olhos abertos o tempo todo?”; “O Ashtanga é realmente  yoga?”.

Confesso que na primeira prática de Ashtanga da minha vida há mais de uma década, como praticante de Hatha Yoga desde os dezesseis anos de idade, essas perguntas inquietaram minha mente. Confesso também que houve resistências e que não foi “amor à primeira vista”, mas foi aquele amor verdadeiro que veio para ficar e para me transformar. Nas minhas aulas busco transmitir essa capacidade transformadora do método, que vai se revelando a nós dia após dia, a cada vez que esticamos o tapete e praticamos com paciência, compaixão e dedicação. Neste breve texto buscarei explicar um pouco a prática de Ashtanga, fazer associações de elementos dela com conceitos centrais em qualquer prática de yoga[1] e relatar como encaro a prática e seu ensino.  

O Ashtanga é composto por séries fixas de posturas e é caracterizado pela concentração na respiração sincronizada com movimentos e posturas (asanas). A coordenação entre os movimentos e a respiração é o que define o “Vinyasa”. A prática está baseada em três pilares principais (Tristhana) que são aplicados em conjunto: as posturas (asanas), o sistema respiratório/energético (respiração com som – o Ujjayi – e travas/selos energéticos – os Bandhas) e a focalização do olhar (os Drishtis). Todas estas técnicas advêm do Hatha Yoga e no Ashtanga são utilizadas simultaneamente.  

Tradicionalmente, o sistema é ensinado no estilo Mysore[2], no qual cada praticante segue o ritmo da sua própria respiração[3], sob a supervisão do professor, que dá explicações e faz ajustes personalizados, quando necessário. As séries de posturas são ensinadas individualmente e de maneira gradual, sendo que cada postura das sequências prepara para a seguinte. Deste modo, cada praticante evolui por meio da prática em seu próprio ritmo, seguindo assim o conceito de Ahimsa ou não-violência/compassividade, fundamental em toda e qualquer prática de yoga.

Voltando às perguntas acima. As séries fixas de posturas fazem com que nos proponhamos a realizar asanas que, muitas vezes, não gostamos tanto ou que nos apresentam dificuldades – e que, provavelmente, evitaríamos se pudéssemos-, além de trazer um entendimento minucioso de cada postura, que vem ao longo do tempo com a repetição. Isto nos abre a possibilidade diária de ressignificar as posturas e de lidar com nossas aversões, padrões de tensões, limitações, trabalhando o desapego. O fato da prática ser quase diária[1], nos convida a termos disciplina e comprometimento, o que vai ao encontro da ideia de Tapas.

Ademais, a repetição dos asanas em sequência e de forma dinâmica trabalha nossa atenção plena e nos convida a entrar num fluxo meditativo e contemplativo (o que reflete o conceito de Dhyana). Não há espaço para distrações no dinamismo das contagens das posturas e no sequenciamento das séries – absortos na sequência, é como se transcendêssemos tempo, espaço e consciência, trabalhando assim o que chamamos de Dharana. 
 

O uso de pontos focais para a visão (Dristhis) têm um papel fundamental para abstração de distrações externas (Pratyahara). De olhos abertos, o praticante destina toda sua atenção a pontos específicos e mergulha para dentro de si contemplativamente. Já a respiração com som (Ujjayi) funciona como um mantra para o corpo mental, além de marcar o ritmo da respiração durante toda a prática e servir para aquecer o corpo, criando espaço para soltar tensões profundas, liberar toxinas por meio do suor (Sauca – Purificação; limpeza do corpo e pureza da mente) e fazer a energia circular[2].

O termo “Yoga” vem do radical sânscrito “yuj” e quer dizer “união” e “integração”. Segundo a definição dada por Patañjali na obra clássica “Yoga Sutras”: “Yoga é a cessação da identificação com os conteúdos da psique”. O Yoga sistematizado Patañjali ficou conhecido como Raja Yoga ou “Yoga real”. Já o Hatha Yoga, além de dar ênfase para o corpo mental, como o Raja Yoga, entende o corpo físico como um veículo fundamental no processo de autoconhecimento e libertação, e não como um obstáculo a ser vencido a qualquer custo.

Nesse sentido, a prática de asanas purifica o corpo, traz força, estabilidade e flexibilidade, além de ser um meio para se atingir um fim maior: a libertação (Samadhi), a “união” e a “integração”. A prática de Ashtanga bebe direto desta fonte e constroi pilares fundamentais para a prática meditativa, unindo força e flexibilidade, limpeza do corpo e purificação da mente, firmeza e relaxamento, discernimento e aceitação.

Desta forma, a prática de Ashtanga não poderia ser classificada de outra forma se não como uma prática de yoga com uso de técnicas do Hatha Yoga (Asanas, Ujjayi, Bandhas e Drishtis) associadas a especificidades próprias (como o Vinyasa e o sequenciamento de posturas em séries fluidas e dinâmicas) guiada por uma atitude meditativa (Dhyana) de atenção plena (Dharana) com abstração dos sentidos (Pratyahara), além de compassiva (Ahimsa) e com o objetivo último de proporcionar “integração”, autoconhecimento (Swadyaya – auto-estudo), transformação pessoal e libertação (Samadhi).

É isso (tudo) que me proponho diariamente ao abrir o tapetinho para praticar e dar aulas deste método de yoga, que faz uso de técnicas do Hatha Yoga, possui suas particularidades e tem a mesma finalidade descrita por Patañjali há tanto tempo. Ao longo dos anos, minha prática pessoal e minha experiência ensinando Ashtanga me mostraram sua capacidade transformadora, não só em mim, mas em diversos praticantes.

Dia após dia busco praticar e conduzir as aulas de forma amorosa e seguindo as especificidades do método, mas sem desconsiderar as necessidades e aptidões de cada praticante, deixando a prática o mais inclusiva possível para que todos (independentemente de idade, força física, flexibilidade, tempo de prática, entre outros) possam praticar e colher seus benefícios. Neste sentido, as séries e posturas são ferramentas poderosas, mas não são um fim em si mesmo. O verdadeiro fim da prática de Ashtanga Vinyasa Yoga é experimentar, viver e alcançar o próprio Yoga, isto é: a libertação, a “união” e a “integração”.

[1]  Tradicionalmente, se reserva um dia por semana para descanso, além de não se praticar no dia de troca da lua nova e cheia.

[2]  Razões pelas quais o uso dos Bandhas, enquanto travas/selos energéticos, é fundamental para a energização do corpo durante a prática.

[3] Para um melhor entendimento das associações a seguir recomenda-se que os conceitos primordiais expostos por Patañjali na obra clássica “Yoga Sutras” sejam revistos.

[4] Assim chamado por se tratar do mesmo método utilizado na cidade de Mysore, berço do Ashtanga, que fica no sudoeste da Índia.

[5] Antes de tudo, o Ashtanga é uma prática respiratória baseada em uma atitude meditativa e contemplativa.

Fernando Sciré

Instrutor de Ashtanga Vinyasa Yoga no My Yoga Vila Nova Conceição. Formado em Yoga e Yogaterapia pela Humaniversidade Holística; Anatomia Aplicada ao Yoga pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Yoga Thai Massagem; e Filosofia do Yoga no Ashram Urbano. Praticou várias modalidades e com diversos professores: Saraswathi Jois no SHRI K. Pattabhi Jois Yoga Institute (Mysore, Índia), Matthew e Carla Vollmer, Marcos Rojo, Pedro Moreno, José Roberto Marquezini, Alexandre Schmidt, Marcelo Pinho Reis, Florencia Pérez Milan no espaço Ashtanga Yoga San Telmo (Buenos Aires), Analu Matsubara, Denival Soares Galdeano, entre outros. Além disso, foi assistente de Ashtanga Vinyasa Yoga dos instrutores Marcelo Pinho Reis no espaço Via Vidya e José Roberto Marquezini no Ishaya.