Luciana Kimi
Traya Upasthamba ou os Três pilares
Traya, em sânscrito, significa três. Upa é um prefixo que significa “seguido por” ou “capaz de”. E Stambha significa pilar forte ou duro, que tem capacidade de sustentar ou causar. Então Trayopastambha são os três pilares fortes que têm a capacidade de sustentar ou causar.
त्रय उपस्त्म्भा इति- आहारः, स्त्वप्नो, ब्रह्मचययमिति; एमभस्त्रिमभयययक्तिययिै रुपस्त्िब्धियपस्त्ि्भैः शरीरं बलवर्णोपचचििनयवियिे यावदाययः संस्त्काराि् संस्त्कारिहहििनयपसेविानस्त्य, य इहैवोपदेक्ष्यिे॥
“Trayopastambha são Aahara, Nidra e Brahmacharya. Se estes forem mantidos adequadamente por meio de Yukti, eles agem como um pilar para nutrição e crescimento do corpo, proporcionando força, tez até o fim da vida da pessoa que não se entrega a nenhum desses regimes que são prejudiciais à saúde.”
O Ayurveda afirma que a saúde ideal é alcançada quando há o equilíbrio adequado entre os três Upasthambhas. Eles são tão importantes que Charaka Samhita, o mais venerado de todos os textos clássicos, compara o corpo humano a um edifício que requer pilares para sua sustentação, e afirma que “aquele que manejá-los corretamente tem a garantia de uma vida inteira sem interrupções pela doença”.
Por isso que no Ayurveda, todos os programas de tratamento começam com o equilíbrio dessas três áreas:
- Alimento, dieta ou digestão adequada (Ahara),
- Sono adequado (Nidra) e
- Gerenciamento adequado de energia (Brahmacharya).
Podemos entender que quando esse tripé (digestão, sistema imunológico e força vital) trabalha em equilíbrio, nos sentimos saudáveis, felizes e contentes. Por outro lado, quando está em desequilíbrio, nosso sistema digestivo fica desconfortável, ficamos vulneráveis a doenças e enfermidades e provavelmente nos sentiremos estressados e desconectados das pessoas ao nosso redor. Se isso continuar, os doshas que cada um deles apoia começarão a ficar desequilibrados. E, assim como uma casa construída em areia movediça, não irá demorar para que as rachaduras apareçam e tudo desmorone.
Ahara – Alimento
A digestão adequada depende de quão conscientemente comemos os alimentos. Por isso, devemos consumi-los na combinação correta, na hora certa todos os dias, sem nos apressar durante as refeições. Como resultado, seremos capazes de digerir a comida e eliminar as toxinas antes que elas nos prejudiquem
Quando fazemos uma dieta boa e saudável, nosso corpo absorve os nutrientes e a energia da força vital (Prana) dos alimentos. Quando nossa digestão está correta, nos sentimos mais leves, felizes e em paz, tanto na mente quanto no corpo. Porém, quando está errada, ela abre caminho para a doença.
Entre os três Trayopastambha, o item Ahara (alimento) é o fator obrigatório para a manutenção de uma vida saudável. Charaka menciona Ahara como o sustentador final da vida.
O alimento e sua forma de ingestão são tão importantes que Charaka classificou-os de acordo com sua origem (animal e vegetal), com o efeito (saudável e prejudicial), com a ingestão (bebível, comestível, mastigável e lambível), com a variedade apresentada na natureza (doze grupos grupos alimentícios) e com os sabores (doce, azedo, salgado pungente, amargo e adstringente).
Somado a isso, ele fez 8 considerações básicas que devem ser levadas em conta durante a escolha e preparo do alimento:
- A natureza do alimento, isto é, suas qualidades naturais inatas (Prakrit).
- Métodos de preparação (Karana).
- Combinação entre duas ou mais substâncias que juntas exibem propriedades especiais que nenhum dos constituintes jamais possuiu separadamente, podendo ser tóxico ou não para o ser humano. (Samyoga).
- Quantidade adequada (Rasi).
- Considerações ambientais (Desa).
- Tempo: que pode ser o horário do dia, o clima da região ou o estágio de uma doença (Kala).
- Regras dietéticas determinadas pela força da digestão (Upayoga samstha).
- Condição de quem está ingerindo a comida (Upayokta).
Além do mais, ele nos orienta a seguir 12 regras para se obter o efeito máximo sobre o alimento consumido:
- Comer comida quente.
- Preferir alimentos untuosos.
- Consumir na quantidade adequada, isto é, sem se sentir estufado.
- Comer apenas quando a refeição anterior for digerida por completo.
- Consumir alimentos que não possuam potências contraditórias.
- Comer em um local apropriado, com utensílios adequados.
- Comer somente se estiver numa condição relaxada, isto é, sem estresse.
- Não comer muito rápido.
- Não comer muito devagar.
- Evitar falar ou rir durante as refeições.
- Comer com total atenção.
- Ter consideração por si mesmo.
Acharya Charaka Samhita dá um belo conceito sobre Ahara, ele diz que o alimento não apenas forma o corpo, mas também forma as doenças que ocorrem nele, isto é, se a comida for saudável (Hita Ahara) é responsável por Sukha (felicidade, saúde), se a comida for prejudicial (Ahita Ahara) causa Dukha (miséria, doença).
Nidra – Sono
“O sono nada mais é do que a perda temporária de contato com jnanendriyas (órgãos dos sentidos) e karmendriyas (órgãos da ação).” (Su.Su.15/40)
Quando acordados, estamos sob um constante bombardeio de estresse e tensão. Nosso corpo físico tem que lidar com produtos químicos e poluentes, e nossa mente tem que lidar com pressão e ansiedade.
Portanto, o sono é o sinal de esgotamento da mente, isto é, quando os órgãos dos sentidos não conseguem se conjugar com seus objetos. Assim há elevação da qualidade de Tamas e o sono é induzido por fadiga. Dessa forma, o corpo usa o sono para curar, reparar e repor energia.
Porém, dormir muito ou dormir tarde desequilibra a rotina normal e tem um impacto negativo na saúde. A insônia (ausência de sono adequado) leva à letargia, sensação de queimação nos olhos, dor de cabeça e dores no corpo. Ou seja, não dormir o suficiente perturbará Vata dosha e nos deixará suscetíveis a lesões. Dormir demais perturba Kapha dosha, o que nos fará sentir lentos e letárgicos.
De acordo com Charaka Samhita, o sono pode ser classificado em 6 tipos:
- Devido ao excesso de qualidade Tamas (Tamobhava).
- Devido ao excesso de Kapha dosha (Sleshmasamudbhava).
- Devido à fadiga mental e física (Manah Sharira Sambhava).
- Que ocorre por mau prognóstico ou antes da morte (Agantuki).
- Devido a doenças (Vyadhyanuvartini).
- Que ocorre naturalmente durante à noite (Ratri Sambhava Prabhava).
O descanso adequado é essencial para o bem-estar de qualquer pessoa. A melhor forma de fazer isso é respeitando o Dinacharya, isto é, dormir no máximo até às 22h00 e acordar ao nascer do sol. Este sono, conhecido como Bhutadhatri, é nutritivo, revigorante, produz felicidade, força, resistência, estimula a função imunológica, equilibra os hormônios, renova as células, desintoxica produtos residuais, consolida o processo de aprendizagem e a memória, portanto, nos torna mais longevos.
Brahmacharya – Contenção de energia
“Brahman“, em sânscrito, significa “o divino” ou “definitivo”, “charya” significa “o caminho”. Se você está no caminho do divino, você é um brahmachari.
Ou seja, o autocontrole (sem desperdício de energia) sobre os sentidos como o caminho para a obtenção do conhecimento eterno. Sabendo que, por outro lado, praticar o domínio das faculdades dos sentidos em excesso, sem orientação adequada pode ser prejudicial por causar distúrbios mentais.
Dentro desta perspectiva o celibato é constantemente citado como uma prática de Brahmacharya. Embora sexo e procriação sejam a base da vida, em muitas tradições religiosas, o celibato é frequentemente considerado um pré-requisito para uma profunda realização espiritual. Muitos equiparam Brahmacharya a nenhuma atividade sexual ou castidade imaculada.
Em antigos textos clássicos sobre o hinduísmo, Brahmacharya é usado para se referir à primeira das quatro fases da vida, isto é, antes do casamento, quando os alunos iam viver e estudar com um professor espiritual no Ashram. Nesta época, praticar uma vida de celibato estrito foi considerado necessário, a fim de estimular o foco nos estudos e o aprendizado das ferramentas para a autorrealização. Mais tarde, quando se entrava na vida familiar, naturalmente, o sexo fazia parte dela.
Mas, em um sentido mais prático, Bhramacharya não se trata apenas de se abster de sexo ou de focar apenas no controle da energia sexual, mas de não desperdiçar todas as suas energias para que haja a possibilidade de domínio sobre os sentidos, pensamentos e comportamentos.
É por isso que encontrar maneiras de conservar nossa energia – toda a nossa energia vital e não apenas a energia que gastamos durante a atividade sexual – é extremamente importante. Pois, isso manterá nossa bateria carregada.
Sobre a energia sexual
É fácil de entender que se excedermos na comida, ficamos acima do peso e não saudáveis. Ou se exagerarmos no sono, ficamos cansados e lentos. Porém, muitos de nós não entendemos que a saúde sexual seja tão vital para nossa saúde física e mental tanto quanto a alimentação e o descanso adequado.
Se abusarmos do sexo, há o esgotamento da energia essencial (Ojas) de que precisamos para manter nossa mente, corpo e sistema imunológico saudáveis, além de prejudicar nossa conexão com a outra pessoa. O Dr. Vasant Lad usualmente comenta que o sexo é algo divino e deve ser efetuado com respeito pelo seu próprio corpo e com o alheio, onde o coração é o guia e não a mente insatisfeita.
Pela perspectiva do Ayurveda, a contenção da energia sexual, que é diferente de não praticar o sexo, significa levar em consideração uma série de condições para que a saúde do praticante não seja afetada, tais como: a idade, o humor, o ambiente, a nutrição e a vontade do outro parceiro.
Os antigos textos orientam maior indulgência no Inverno e na Primavera, pois na primeira estação o corpo humano está forte e nutrido e, na segunda, a untuosidade e umidade da temporada evitam o desgaste do corpo, isto é, a agravação de Vata dosha.
É recomendado a redução da prática sexual durante o Verão e Monções, pois no primeiro período, o corpo humano está mais frágil e enfraquecido devido à exposição constante aos raios solares, o que naturalmente eleva o Vata dosha. Na temporada subsequente, devido ao calor e a umidade, por conta das chuvas, o Agni se torna instável, deixando o corpo suscetível a diversas doenças.
A mesma atenção deve ser dada durante o período menstrual, gravidez, na entrada da menopausa (mulher) ou da andropausa (homem), a fim de não agravar o Vata dosha e inverter Apana Vayu, o que gera distúrbio do Agni, enfraquecendo Sukra Dathu e os tecidos antecessores.
Confesso que entre os 3 itens, este último é sempre o mais polêmico, pois abrange um conhecimento não só da anatomia física, mas também da sutil. Para a nossa mente ocidental, onde o sexo virou item de comércio, onde a fantasia sobrepõe o fisiológico, onde o exagero se tornou sinônimo de vitalidade, pode ser difícil a compreensão da moderação desta prática.
A atividade sexual excessiva pode esgotar as reservas vitais e é contra-indicada para quem sofre de doenças. A nutrição ou a saúde de Shukra Dathu (tecido reprodutor) é necessária para desenvolvermos Ojas, energia que fornece estabilidade ao corpo e à mente, e é a base da força do sistema imunológico.
Quando o Shukra se esgota, o Ojas também se esgota, nos deixando vulneráveis a doenças físicas e mentais.
Conclusão
Pela ótica deste shastra (compêndio de conhecimento), o corpo é a morada sagrada da alma (atma), por isso devemos tratá-lo com cuidado por meio de práticas virtuosas (sattvicas) que mantenham a saúde física e mental.
O Ayurveda reconhece o valor da aplicação de rotinas diárias saudáveis, pois sempre orientará, para o equilíbrio do corpo e da mente, a ingestão de alimentos saudáveis, o sono suficiente e práticas que nos ajudem a não desperdiçar a energia vital, incluso o yoga asana e exercícios respiratórios.
Dessa forma o estresse mental é reduzido e o corpo físico é fortalecido. Nossa mente se torna focada e a borda que a delimita desaparece gradativamente. Os falsos “eus” são abandonados, liberando espaço para que o Yoga interno aconteça.
E assim, podemos compreender o que Dr. Rajeev Acha, costuma dizer em suas aulas: “O Ayurveda termina onde o Yoga começa”.
Referências:
- Charaka Samhita, Sootra Sthana. Ch.11, Ver.12.3
- Estudo dos textos clássicos de Vedanta: Aparoksha Nobuka, Mandukya Upanishad, Tattva Bodha, Bhagavad Gita – com Osnir Cugenotta
- A Review on the concept of Trayopastambha with special reference to Brahmacharya – Navya S. & Dr. Ranjith Kumar Shetty & Dr. Sri Nagesh KA
- “Principles of Ayurvedic Medicine” by Marc Halpern, Founder and Director of the California College of Ayurveda.
- Triads of Health(Traya Upastamba) – National Health Portal of India
- The three pillars of Ayurveda – Food – Definition, Importance As Per Ayurveda, Upanishad by Dr Raghuram Y.S. MD (Ay) & Dr Manasa, B.A.M.S
- The three pillars of Ayurveda by Rohan Nagar
- Traya Upastambha as an Important Behavioral Health Care Strategy – BiblioMed.org