Por Karla Mello
Sob o impacto da dor, refletimos. Sobre a fé que em algum momento faltou e que agora precisa ser renovada. Sobre as palavras que gostaria de ter dito e que por algum motivo não falou. Sobre o abraço apertado que desejou dar. Sobre passar mais tempo com quem você ama e saber que não há programação melhor. Sobre levar a vida com mais leveza. As reflexões não param. Pensamos. Sobre a importância da família e de cultivar os verdadeiros amigos. Sobre isso, sobre aquilo, mas refletimos principalmente sobre nós mesmos.
E a saudade dói.
Saudade é sentir o outro em si. Tentar aliviar a falta com “barulho” e distrações é como postergar um sentimento inevitável, como abafar algo que pulsa forte internamente. É sabotar uma possibildade de auto conhecimento. E mesmo que você já esteja no caminho do autoconhecimento, tudo que construiu na sua jornada interior pode parecer desmoronar com essa dor dilacerante que te faz questionar tudo.
Na busca do Ser compreendemos que a vida é transitória, mas quando nos deparamos com a “partida” de alguém que amamos, nos levamos a sentimentos como raiva, não aceitação e medo. Por que mesmo se acreditarmos que existe algo muito maior, independente de qual seja a sua crença, mesmo assim, continuamos apegados ao corpo, ao toque e à presença. Não tem jeito!
Falar sobre a morte, em geral, é sempre muito delicado. No entanto, compreender e aceitar o nosso processo interno quando estamos lindando com a morte é fundamental. Esse processo é o luto. Ele pode se demonstrar de diferentes formas, não tem regra, não existe certo ou errado.
Viver o luto em toda a sua verdade é o único caminho para conviver de forma mais harmônia com a saudade a longo prazo.
Cultivar o silêncio, aceitar o desequilíbrio como parte do processo; expressar as emoções em lugares seguros, onde haja acolhimento; aceitar a falta de vontade momentânea de sorrir para a vida novamente ou aceitar a culpa por se permitir sorrir, mesmo vivendo o luto…
Permita-se viver tudo o que estiver sentindo, mas sem acreditar que a partir de agora você se tornará a sua dor. A nossa mente é poderosa, cuidado com o que você conta pra ela. NÓS NÃO SOMOS, NÓS ESTAMOS.
Escrevo esse texto a partir da experiência da perda do meu irmão caçula, Felipe, que aos 19 anos sofreu um acidente de carro.
Me diziam que o tempo iria curar, mas a verdade é que quando você sabota os seus sentimentos, o tempo se torna cruel. O tempo não para, nem espera as suas dores e reflexões cessarem. O tempo é como as pessoas, está sempre correndo. Com ele, na mesma batida, seguem, então, novos e velhos hábitos. Assim como incessantes, mesmo que zelosos, pedidos para você “ficar bem”, “seguir em frente” ou “não se entregar.” E dentro do peito vai crescendo a saudade.
Apenas quando eu me permiti viver e sentir tudo que estava em mim, consegui realmente transmutar a dor para amor.
Achei que não fosse dar conta, que era muito pra mim, mas aqui estou. Com o coração dilacerado, sim, não dá pra negar, mas ele pulsa. Pulsa forte por vida, por que agora a vida do meu irmão também pulsa em mim. E por isso, não perco mais tempo aonde existe dor, feito girassol, vou em direção à luz, buscando o calor da vida e o sentido de tudo.